PINTURA, DE FRANCIS BACON
A PEDOFILIA NA HISTÓRIA DA PINTURA
QUADROS E PINTORES PEDÓFILOS
O conhecido quadro A Vénus de Urbino, do genial pintor Ticiano, que se encontra na Galeria dos Ofícios, em Florença, e que nós tivemos a oportunidade de contemplar longamente aquando da nossa visita a Itália, retrata uma adolescente muito bela, languidamente deitada numa cama, completamente nua, olhando insistentemente para fora do quadro, na direcção do espectador, como que a convidá-lo a fazer amor com ela.E pelo que a nós particularmente respeita, só lamentamos que a garota do quadro seja uma menina feita de cores, de tintas, de linhas e de volumes e não uma mulher de carne e osso, pois a menina é realmente tão atraente que qualquer homem que se preze perdia de certeza a cabeça com ela, caso fosse real e estivesse à mão de semear.Em relação a um caso semelhante a este, também com uma garota dentro de uma pintura, lembramo-nos de ter visto um filme em que um visitante de um museu entrava dentro de um quadro para fazer amor com uma bonita menina voluptuosamente pintada. Mas nós não tivemos essa sorte com a Vénus de Urbino, embora tivéssemos estado muito tempo a olhar para ela, numa vã tentativa de a seduzir. Tivemos que nos contentar em desfrutar a apetitosa deusa com os olhos.Com um bouquet de rosas, símbolo do amor, na mão direita, e com a mão esquerda na vagina, a graciosa Vénus de Ticiano foi encomendada pelo Duque de Urbino (e daí o nome do quadro) para servir de modelo instrutivo à sua jovem esposa Giulia Varano, com quem o duque se tinha casado em 1536, quando ela tinha apenas treze anos. O quadro destinava-se obviamente ao quarto de dormir do duque. Aliás nessa altura era normal os nobres e os reis terem quadros eróticos nas divisões mais íntimas dos seus palácios.O que se conclui desta história verídica é que a pedofilia não era encarada nessa época como um facto criminoso e moralmente reprovável. Não só a conduta do Duque de Urbino foi perfeitamente decente, pois era casado com a menina, como a conduta do célebre artista veneziano, que pintou o quadro sabendo qual o fim a que se destinava, também foi igualmente decente, pois tinha por finalidade despertar na jovem duquesa desejos que só seriam pecaminosos fora do casamento.Já o mesmo não se passa com o quadro Concerto de Jovens, do igualmente genial pintor italiano Caravaggio, que nós tivemos oportunidade de ver no Metropolitan Museum of Art, de Nova Iorque. É que este último quadro mostra quatro meninos meios nus, tocando diversos instrumentos musicais. Isto em si não suscitaria qualquer problema, pois meninos semelhantes a estes aparecem em muitos quadros, nomeadamente sob a forma de anjos músicos.O que torna o quadro de Caravaggio diferente é o facto do pintor fazer um referência expressa à homossexualidade, através da figuração do amor com as suas asas. A inclusão deste símbolo no quadro é quase uma dedicatória, permitindo-nos concluir que o pintor teve relações sexuais com os meninos figurados no quadro.E leva-nos igualmente a concluir que o primeiro comprador do quadro, o Cardeal Francesco Maria del Monte, também gostava de meninos. Mas isto não quer dizer que este cardeal fosse um indivíduo perverso e desprezível. Bem pelo contrário, foi uma figura eminente da Igreja na época. Além do mais, o Cardeal del Monte era uma pessoa cultíssima: lia o grego e o hebreu, era versado em alquimia e era amante da música e da pintura.E ainda por cima era aberto a ideias novas, pois que, apercebendo-se do valor de Caravaggio, o recebeu em sua casa, dando-lhe alojamento, alimentação, comprando-lhe quadros e contribuindo assim para a sobrevivência do artista e para a realização de uma obra que foi um importantíssimo marco na história da pintura.É que Caravaggio foi o iniciador de um estilo novo e revolucionário, chamado precisamente o caravaggismo, que associa um inovador realismo com uma encenação luminista dos quadros, à base de dramáticos efeitos de luz e de sombra. Este estilo novo influenciou os melhores pintores europeus do século XVII, entre os quais os mais importantes de todos foram Rembrandt e Georges de La Tour.Claro que Caravaggio foi um génio da pintura e um génio repentista que nem precisava sequer de fazer desenhos preparatórios para pintar os enormes quadros de altar que hoje são o orgulho de muitas igrejas italianas. Mas é claro também que Caravaggio gostava das más companhias, dos copos e das rixas; e está provado que cometeu inclusivamente alguns crimes de morte.E também está igualmente provado que a maior parte dos meninos que serviram de modelos às suas pinturas foram seus amantes. Mas isso não aconteceu somente com Caravaggio. Também Miguel Ângelo e Leonardo da Vinci eram pedófilos e homossexuais. E aliás podemos dizer com segurança que o único pintor italiano desses séculos que gostava de mulheres foi Rafael. E nós vimos a sua grande amada, a Fornarina, num quadro dele, em Roma, no Palácio Barberini. E podemos garantir aos nossos leitores que Rafael tinha bom gosto. Mas há gostos e gostos. E cada um come do que gosta.
A PINTURA MARGINAL, ANIMAL, HOMOSSEXUAL
MERDÍVORA E MATÉRICA DE FRANCIS BACON
Embora a maior parte dos periódicos portugueses tivesse anunciado apenas uma exposição de Francis Bacon, a do Museu de Serralves, a verdade é que nós vimos duas exposições. No entanto, foi por mero acaso, ao folhearmos num posto de venda de periódicos uma revista que normalmente nem costumamos ler, que fomos informados de uma outra exposição de Francis Bacon, na galeria Mário Sequeira, em Parada de Tibães, Braga, exposição essa que ainda se pode visitar, pois só encerra no dia 7 de Maio. Perante esta inesperada informação, tivemos que modificar o nosso plano de viagem, a fim de podermos ir às duas exposições.Claro que o nosso entusiasmo à saída de Viseu era muito grande, pois Bacon é, a seguir a Picasso, o nosso pintor preferido. E esta nossa preferência, apesar de racional e da ordem da estética e do gosto, também tem uma grande componente de emotividade. E por isso admitimos perfeitamente que outras pessoas, com outra sensibilidade, elejam outros artistas, como por exemplo o grande pintor ainda vivo Lucian Freud, sobrinho-neto de um dos génios fundadores e formadores da nossa modernidade, o enorme Sigmund Freud, criador da psicanálise.Mas embora também apreciemos Lucian Freud, a verdade é que gostamos muito mais de Francis Bacon. É que em relação a este último, não só gostamos da sua obra pictórica, como também nos identificamos com a sua vida, cheia de desespero e de raiva, cheia de desejo e de vontade de viver, cheia de sexo e de amantes masculinos (nós preferimos outras frutas, mas cada um come do que gosta), cheia enfim de esperma, de tintas, de vómitos, de merda e ainda de outras ejaculações.Tendo visto no ano transacto, em Madrid, uma parte substancial da obra de Picasso, que é para nós o maior pintor do século XX, foi com grande entusiasmo, como já dissemos, que nos deslocámos a Parada de Tibães e ao Porto para vermos as duas exposições de Bacon. E resolvemos começar pela exposição da galeria Mário Sequeira, em Parada de Tibães, onde fizemos uma primeira e forte abordagem à obra de Bacon.Para já convém sublinhar que a galeria Mário Sequeira é um espaço museológico amplo, moderno e funcional, criado por um médico amante das artes, o Dr. Mário Sequeira, conforme nos explicou uma solícita e amável funcionária. Só é pena este médico não viver em Viseu. É que na nossa cidade, infelizmente, não há um espaço semelhante àquele, onde possam ser mostradas com dignidade exposições de arte com grande qualidade.E logo ali, no meio de uma quinta, numa aldeia a cinco quilómetros de Braga, Bacon se nos revelou em todo o esplendor da sua dimensão artística. Os dezanove trabalhos expostos, compreendendo litografias, gravuras e águas-tintas, quase que nos saltaram aos olhos, tal a força dos seus traços, das suas cores e dos seus volumes e tal a energia da sua brutal animalidade figurativa. Para nos retemperarmos do enorme desgaste que a exposição nos causou, fomos almoçar a Braga, ao mítico Restaurante Narcisa, onde comemos o célebre e saboroso bacalhau à Narcisa, com muito molho e com muito apetite.Transpostos os quilómetros que separam Braga do Porto, e depois de uma demorada visita a uma das melhores livrarias do país, a Livraria Leitura, onde comprámos inúmeros álbuns de arte, daí nos deslocámos para o Museu de Serralves, onde pudemos ver com vagar as obras de Bacon, pois o museu esteve aberto até às dez horas da noite, que é um horário praticado pelos museus no estrangeiro, mas que é muito raro praticar-se em Portugal.Embora já conhecêssemos a obra de Bacon através de dois fabulosos livros de arte, com inúmeras reproduções a cores, a verdade é que a exposição de Serralves teve o condão de nos surpreender e até de nos agredir, pois é efectivamente diferente vermos os quadros ao natural ou vermos reproduções, ainda que muito boas, em tamanho mais pequeno.E assim, desde os jactos ejaculatórios às curtições homossexuais, desde a carne sem transcendência dos nus masculinos até à natureza desumanizada das áridas paisagens, desde as imagens caricaturais dos papas até aos corpos enjaulados, torturados e deformados dos amigos e dos amantes do pintor, tudo nos foi dado contemplar, numa súbita descida à essência do homem, que não é divina, nem humana e talvez nem sequer seja animal.Ao mirarmos as telas de Bacon no excelente espaço museológico criado por Siza Vieira, nós pensávamos era na frase de Bertolt Brecht que diz que a essência do homem é a merda. E então ao contemplarmos um dos melhores quadros da exposição, o tríptico Maio-Junho, em que Bacon nos descreve picturalmente o suicídio de George Dyer, um dos seus muitos amantes, em que o angustiado Dyer, nu e indefeso, aparece sucessivamente a ingerir uma sobredose de suporíferos, a vomitar no lavatório e a morrer, a sangrar, na sanita, nós descobrimos de repente todo o sentido da exposição.Este jovem que pôs, de uma maneira tão insólita e tão atroz, termo à vida, era afinal a pessoa mais feliz do mundo, pois tinha saído da gaiola (caged/uncaged-encarcerado/desencarcerado), onde nós todos estamos aprisionados. E tinha-o feito em glória, através das inspiradas pinceladas do maior pintor da segunda metade do século XX.